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Gestação e Transtorno Bipolar: Orientações para uma Gravidez Segura

  • Foto do escritor: Dr. Gustavo de Aguiar Costa Cesar
    Dr. Gustavo de Aguiar Costa Cesar
  • há 2 dias
  • 7 min de leitura

Ter transtorno bipolar e engravidar é possível, e muitas mulheres têm gestações e bebês saudáveis quando há planejamento, acompanhamento próximo e tratamento adequado. O maior desafio é equilibrar o risco de recaídas graves se a doença ficar sem controle com os possíveis efeitos dos medicamentos sobre o feto e o recém‑nascido.


O transtorno bipolar é um transtorno do humor em que a pessoa alterna períodos de depressão com fases de muita energia e agitação, chamadas de mania ou hipomania. A gestação não “protege” contra esses episódios e, para quem já tem diagnóstico prévio, é considerada uma gravidez de maior risco do ponto de vista psiquiátrico.

Hoje já existem diretrizes específicas de sociedades como ACOG (ginecologia /obstetrícia), CANMAT e grupos especializados em saúde mental perinatal para orientar o uso de estabilizadores de humor na gravidez e no pós‑parto. Essas recomendações reforçam que, em muitos casos, manter o tratamento bem planejado é mais seguro do que suspender tudo de forma brusca.

O que é transtorno bipolar:

No transtorno bipolar, o humor pode oscilar entre fases de depressão (tristeza intensa, desânimo, culpa, pensamentos de morte) e fases de mania/hipomania (sono reduzido, muita energia, fala acelerada, impulsividade e, às vezes, delírios e alucinações). Essas mudanças não são “simples variações de humor”, mas quadros médicos que podem levar a prejuízos no trabalho, na família e até risco de suicídio.

Existem diferentes tipos de bipolaridade (como bipolar I e II), que variam em gravidade e padrão de episódios, e isso influencia o plano para gestação e pós‑parto. Em mulheres, o transtorno costuma ter mais episódios depressivos e mais risco de recaída em períodos de grandes mudanças hormonais, como pós‑parto e perimenopausa.​



Por que a gestação é um período de risco:

Engravidar com transtorno bipolar aumenta o risco de recaída, especialmente se a paciente suspende ou reduz demais os medicamentos sem planejamento. Estudos mostram que descontinuar o tratamento na gravidez ou logo após o parto triplica o risco de novo episódio em comparação a mulheres que mantêm a medicação de forma adequada.

Além disso, o próprio transtorno bipolar (mesmo sem remédios) está associado a maior chance de complicações obstétricas, como pressão alta gestacional, hemorragias, parto cesáreo e bebês pequenos para a idade gestacional. Quando a doença descompensa, a gestante pode faltar a consultas, alimentar‑se pior, usar álcool ou outras drogas e demorar a procurar ajuda, o que também prejudica a saúde do bebê.


Planejamento antes de engravidar:

O ideal é que a conversa sobre gravidez aconteça antes da concepção, em consulta com psiquiatra e obstetra (preferencialmente de pré‑natal de alto risco). Esse planejamento 3–6 meses antes de tentar engravidar permite avaliar o histórico de episódios, revisar medicações e organizar um plano escrito de prevenção de recaídas durante a gestação e o pós‑parto.

Nessa fase, costuma‑se discutir quais remédios podem ser mantidos, quais devem ser trocados e quais precisam ser evitados por maior risco de malformações (efeito teratogênico, ou seja, alterações na formação do feto). Também se conversa sobre sono, apoio familiar, plano de parto, tipo de alimentação do bebê (amamentação ou fórmula) e sinais de alerta para agir rápido se o humor começar a piorar.


Uso de medicamentos na gestação:

O ponto central hoje nas diretrizes é pesar, caso a caso, o risco de expor o feto ao medicamento versus o risco de deixar o transtorno bipolar sem controle. De forma geral, recomenda‑se usar o menor número possível de fármacos, nas menores doses eficazes, evitando mudanças bruscas durante a gestação.

Alguns pontos importantes, em linguagem simples:

  • Ácido valpróico/valproato e, em menor grau, carbamazepina aumentam bastante o risco de malformações e problemas de desenvolvimento e, por isso, devem ser evitados em mulheres em idade fértil e são contraindicados na gravidez quando há alternativas.

  • O lítio ainda é considerado um dos estabilizadores mais eficazes para prevenir recaídas, inclusive no periparto, e o risco de malformações cardíacas é menor do que se pensava no passado, embora ainda exista.

  • Quando se usa lítio na gravidez, é preciso monitorar níveis sanguíneos com mais frequência, ajustar dose (porque o corpo “dilui” o remédio durante a gestação) e solicitar ultrassom morfológico detalhado e ecocardiograma fetal.

  • Lamotrigina tem perfil relativamente favorável na gestação, com risco de malformações próximo ao da população geral, sendo uma opção comum para algumas mulheres com predomínio de episódios depressivos.​

  • Antipsicóticos atípicos como quetiapina, olanzapina e aripiprazol são amplamente usados em gestantes com bipolaridade, com risco de malformações considerado baixo, embora possam aumentar ganho de peso e risco de diabetes gestacional.

Suspender tudo de repente, sem supervisão, costuma ser mais arriscado do que manter um esquema bem escolhido e monitorado, pois recaídas graves podem exigir internação, uso de várias medicações de resgate e até sedação intensiva. Uma analogia possível é a de dirigir: é mais seguro andar de carro com cinto, cadeirinha e revisão em dia do que proibir qualquer deslocamento por medo de acidente.


Cuidados não medicamentosos:

Os remédios são apenas uma parte do cuidado; intervenções não farmacológicas têm peso enorme na gestação. Manter horário regular de sono é talvez a medida mais importante, porque noites mal dormidas desorganizam o humor e podem precipitar tanto depressão quanto mania.

Psicoeducação (aprender sobre a doença, reconhecer sinais iniciais de recaída) e psicoterapia, como terapia cognitivo‑comportamental, ajudam a lidar com estresse, culpa e ansiedade típicos da gestação e do pós‑parto. Atividade física leve liberada pelo obstetra, alimentação equilibrada e evitar álcool e outras drogas também reduzem risco de descompensação.


Riscos no pós‑parto:

O período logo após o parto é, de longe, o mais perigoso para recaída no transtorno bipolar, especialmente nas primeiras 2 a 4 semanas. Meta‑análises mostram que cerca de 39–40% das mulheres com bipolaridade têm recaída no primeiro ano pós‑parto, e esse risco pode chegar a mais de 60% quando estão sem medicação.​

Além de depressão e mania, existe o risco de psicose pós‑parto, um quadro súbito, com delírios, alucinações, agitação intensa e risco de suicídio ou de agressão ao bebê, que ocorre muito mais em mulheres com transtorno bipolar do que na população geral. Por isso, vários especialistas recomendam considerar iniciar ou intensificar o tratamento estabilizador logo após o parto, mesmo em mulheres que ficaram sem remédio na gestação, sempre com planejamento prévio.

Manter o sono no pós‑parto é um grande desafio, mas é vital: dividir os cuidados noturnos com outra pessoa, tirar cochilos durante o dia e, em alguns casos, optar por não amamentar à noite (ou usar leite ordenhado/fórmula) pode ser parte do plano de prevenção de recaída. Essa organização deve ser combinada com a família ainda na gravidez, como se fosse um “plano de plantão” para proteger o humor da mãe.

Amamentação e medicamentos:

A maioria dos estabilizadores de humor e antipsicóticos passa para o leite materno em algum grau, mas muitas vezes em quantidades pequenas, que podem ser aceitáveis com monitorização do bebê. Lítio, por exemplo, exige mais cautela: é possível amamentar em alguns casos selecionados, com bebê saudável e acompanhamento pediátrico cuidadoso, mas muitas diretrizes recomendam avaliar alternativas ou monitorar de perto exames do recém‑nascido.

Valproato e lamotrigina tendem a ser bem tolerados em lactentes, com níveis baixos no sangue do bebê, e antipsicóticos como quetiapina e olanzapina também são considerados compatíveis, observando possíveis sinais de sedação, dificuldade para mamar ou ganho de peso inadequado. A decisão sobre amamentar ou não deve ser compartilhada, levando em conta valores da mãe, quadro clínico e disponibilidade de rede de apoio, sempre com informação clara sobre riscos e benefícios.


Sinais de alerta e quando procurar ajuda:

Durante a gestação e o pós‑parto, alguns sinais devem ligar o “alerta máximo” em quem tem transtorno bipolar ou histórico familiar forte:

  • Insônia marcada (ficar vários dias dormindo muito pouco sem se sentir cansada) ou, ao contrário, sono excessivo com dificuldade de sair da cama.

  • Fala muito acelerada, ideias grandiosas, gastos impulsivos, aumento súbito da atividade ou irritabilidade intensa fora do padrão habitual.

  • Tristeza profunda, desânimo, choro frequente, perda de interesse em tudo, sensação de ser uma “mãe horrível” ou de que o bebê estaria melhor sem a mãe.

  • Pensamentos de morte, vontade de sumir, ideias de machucar a si mesma ou o bebê, mesmo que rápidos e assustadores.

  • Confusão mental, frases desconexas, ouvir vozes ou ter certezas estranhas (por exemplo, acreditar que o bebê está “amaldiçoado” ou que alguém quer roubá‑lo sem evidência real).​

Diante desses sinais, a orientação é procurar ajuda imediata em pronto‑atendimento psiquiátrico ou obstétrico, sem esperar “ver se melhora sozinho”, pois o quadro pode piorar em poucas horas ou dias. Nas consultas de pré‑natal, é importante que a gestante com bipolaridade informe sempre seu histórico e os sinais recentes, para que a equipe possa agir cedo.


Como a família pode ajudar:

A participação do parceiro, familiares e amigos próximos costuma fazer muita diferença no desfecho da gestação e do pós‑parto em mulheres com transtorno bipolar. Pessoas próximas podem ajudar a manter rotina de sono, compartilhar tarefas domésticas, acompanhar em consultas e perceber mudanças de humor que a própria paciente, às vezes, não nota.

Uma boa prática é construir, junto com a equipe, um “plano de crise” escrito: o que a família deve observar, quais telefones ligar, quais medidas tomar se surgirem sinais de alerta, inclusive combinando com antecedência a possibilidade de internação breve se necessário. Isso tira um pouco do peso da decisão em momentos de desorganização emocional e dá mais segurança para todos



Transtorno bipolar na gestação não significa que a mulher “não pode” engravidar, mas exige planejamento cuidadoso, acompanhamento conjunto entre psiquiatra e obstetra e participação ativa da própria paciente nas decisões. Ignorar a doença ou suspender medicamentos por conta própria, com medo de prejudicar o bebê, costuma ser mais perigoso do que ajustar o tratamento de forma responsável, pois recaídas graves trazem riscos importantes para mãe e filho.​

Este texto tem caráter educativo e não substitui uma avaliação individual com profissionais de saúde; cada caso tem sua história, seus riscos e suas prioridades. Em dúvida, o melhor caminho é levar suas perguntas para o psiquiatra e o obstetra, pedir explicações em linguagem simples, discutir o que faz sentido para sua realidade e construir, em conjunto, um plano que proteja tanto a sua saúde mental quanto a do seu bebê.


Mulher grávida em ambiente acolhedor com tons de azul

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Área de atuação: Psicoterapia RQE-MG 61447/RQE-RS 43447

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